Quem sou eu

Poeira do tempo

A história da minha família não está ligada a Conchas através de muitas gerações e, embora eu tenha sido registrado lá, nasci em outra cidade. Passei a infância e a adolescência em Conchas e durante muitos anos, tudo o que eu queria era me ver fora dela; o que acabou acontecendo quando vim para São Paulo estudar publicidade. Fiquei longas temporadas longe dela e de tudo o que me fazia lembrá-la.

Então, numa noite, há alguns anos, meu retorno a Conchas se tornou inevitável e nem em sonho imaginaria o quão profundamente adentraria em sua história outra vez. O meu contato, através da internet, com Toty Maya e o seu precioso material sobre a cidade, me emocionaram e me intrigaram. Também me invocou a lembrança do dia em que eu, ainda adolescente, folheava um álbum de fotos antigas do velho Pascoal Barone que, ao meu lado, dizia que aquelas eram imagens de uma cidade que já não existia e que estava sendo esquecida.


Hoje, recuperei parte dessas fotos que juntei a outras quase 3.000. Pois, desse encontro com a Toty o resultado foi uma abrangente pesquisa iconográfica sobre o CRB (nosso esquecido Clube), sobre a antiga igreja matriz (já demolida) e sobre a AAC (lugar dos primeiros jogos de futebol). E o mais importante: a descoberta de uma cidade com histórias interessantes e personagens inesquecíveis. Quando fui convidado pelo Miguel Maimone para criar a capa do seu livro de memórias e li os seus textos, isso tudo se confirmou.

Várias pessoas se tornaram parceiras nessa jornada ao passado, e gostaria de agradecer a todas que, generosamente, abriram seus baús e álbuns de família. De modo especial a duas delas que, além da querida Toty, colaboraram muito nesse resgate da história: Wilson (Baltazar) Diniz e sua esposa Claudia. Também ao Nelson Malheiro e Daniel Crepaldi pela permissão do uso de seus textos.


Pelo fato de não ser historiador, quero dizer que esse blog é a forma simples que escolhi para compartilhar um pouco desse tesouro que encontrei. São histórias, personagens e locais que fizeram parte da formação da cidade, e que estão aqui para serem lembrados antes que a poeira do tempo e o descaso das pessoas os sepultem de vez, e para sempre.


São Paulo, 28 de abril de 2011



segunda-feira, 2 de maio de 2011

Antonio Foga, o Tarzan de Conchas

Antonio Foga, o Tarzan, no famoso poço do rio da Figueirinha.
Nas décadas de 30 e 40 surgiu nos cinemas e virou moda o lendário Tarzan, herói criado pelo escritor ingles Edgar Rice Burroughs. Entre os atores que interpretaram o herói das selvas africanas se destacou Johnny Weissmuller, campeão olímpico de natação (1924 e 1928), e que criou o famoso grito do Tarzan. Interpretou também Jim das Selvas, um aventureiro, que vestindo um conjunto safari e capacete, percorria a África em diversas aventuras.
Em Conchas, o cover do Tarzan foi Antonio Foga e do Jim das Selvas foi Oriente Ribeiro, ex-funcionário do Posto de Saúde e tio do Caçulinha, músico acordeonista da televisão. A dupla Antonio Foga e Oriente Ribeiro, este já falecido, protaganizou muitos “causos” conchenses. Entre eles, A Sucuri do Oriente, descrito de forma muito divertida no livro “O Colecionador de Conchas”, de Miguel Maimone, e que vale a pena ser reproduzido aqui.


Fotos: Casamento de Mercedes e Antonio Foga, 18/07/1954, no centro Antonio Foga como caçador e à direita, no Exército, em Campo Grande - MT
 
Antonio Foga e as sucuris
 "A SUCURI DO ORIENTE
 Numa noite, o cinema ficou lotado. Era apresentação da Sucuri do Oriente.
 _____ E daí Carrasco?
 Luizinho do Maé faria parte do espetáculo, caçava ratos e pombas para alimentar a sucuri.
Não deu outra ficou conhecido como Luizinho Carrasco.
 _____A bicha apertou, matou.
 _____Dizem que engole até um boi
 _____Isso é verdade, afirmou Carrasco, afinal já sabia da voracidade da cobra.
Toca a Banda, era a hora H.
O padre Geraldo agradeceu o povo pela colaboração para construção na Nova Matriz.
____ Pecador, aproveitador!  Alguém cochichou
Ico Guarino, anunciou:
Antonio Foga e atrás, de conjunto safari Oriente

 ____ Com vocês, a Sucuri do Oriente.
 Aplausos contidos,  podiam acordar a cobra.
Os astros entram no palco, António Foga, Luizinho Carrasco e Oriente, este o próprio representante dos safáris africanos, sapato da loja do Mauricio, meia soquete, calça curta de brim cáqui, Jean Sablon, capacete Ramenzzoni...perceberam?
Suspense na entrada dos atores e da imensa caixa de madeira.
_____Home, é grande comentou Mirico!
_____Ce nem viu a cobra ainda!
_____Só a caixa, tonto!
_____Tamém é grande pá mais de metro!
_____Será que agüenta?
_____Craro, foi feita pelo Caleto!
Galo Scalize deu uma rufada na caixa

Oriente, NI e Antonio Foga



Como um mágico, postura de caçador, Oriente enfia a mão na caixona, retira a sucuri que se enrola sonolenta no seu braço.
_____Oooooh!
_____ Não se impressionem, é grande  mas é mansa, Foga, o partner acalma a platéia.
_____Peguei no pantanal com meu amigo Foga, numa noite escura que era um breu!
____ Deu muito trabalho? Gritou Quinzinho Madame, da fila do gargarejo.
____ Lutou muito, mas tá aqui a bicha!
Atenção redobrada. Chegava o momento
Marujo, cachorro do caçador, imóvel, está entre latir ou correr.
Oriente põe o pulmão prá fora, quase gritando, o cinema lotado.
_____Agora uma demonstração da força dessa besta  humana.
_____Humana?  De soslaio, a esposa Francisca corrige.
_____Quero dizer, sobre-humana!
Galo rufa a caixa
Oriente elegantemente enrola a sucuri no pescoço.
_____Oooooh!  Redobrado
Antonio Foga no poço do rio da Figueirinha
_____Ói só, que lôco!
_____Mai nem!
_____Que corajudo!
Mesuras circenses. O povo aplaude delirantemente, entre vivas, urras, algazarra, a banda ataca Batista de Melo, pronto acordou a cobra.
Aí virou um corre corre danado. A sucuri disse a que veio. Oriente corria perigo eminente de morte, a cobra, nervosa que tava, passou a apertar violentamente a garganta.
_____ Isso que é tutano!  Exclama Jorjão da Cheina que era forte que nem um touro.
_____Puta bocão!  João Daher
_____Chama o Doutor Nassin! Apressou-se, prevendo a fatalidade, Dão Caram.
Antonio Foga no poço da Figueirinha

Trem do Horário, desta vez muito antes do horário, some pro meio da rua, larga a mala do repertorio de dobrados. Escarafedeu-se! Azar dele, perdeu o lanche da banda, pão com mortadela e taubaina.
Tava feito o banzé! Foi um cu de boi
Na correria entram no palco Edmundo Athanazio, Caleto, Felucho, os mais forçudos coadjuvados pelo Foga. Contra atacam a violenta cobra com tal força que ela vai afrouxando o laço aos poucos. Finalmente vencida foi atirada na caixa de madeira. Tava dominada e ponto final
____ Não ia poupar nem o Luizinho Carrasco, comentou Toninho Lopes.
____Se engole, morre afogada nas pinguaiadas, falou Jordão Teles, cachaceiro profissional.
____Que sus sus susto! Vá a a a arris cá cá assim lá em Pó po ran ran gaba, nosso Mané Carlos.
Oriente, depois do acontecido, amarelo e tossindo arfante, ainda acalmava o resto dos fãs .
_____ Nunca pensei que fosse tão braba assim, puta que os pariu. Mardita!
Do padre Geraldo, nem tchum!"
(Capítulo do Livro "O Colecionador de Conchas", de Miguel Maimone)

Panfletos: o da esquerda é de 1949, o da direita teve sua renda revertida para as obras de construção da Sta. Casa



Antonio Foga com os cabelos compridos, uma novidade para época, déc. 1940



16 comentários:

  1. Que figura esse Antonio Foga!!
    Adorei!
    Bjs

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  2. Nossa, que interessante ler sobre as atividades culturais de nossa cidade ocorridas 60 anos atrás!!! E mesmo que eu nunca tenha conhecido os persoangens, seus nomes me soam familiar... Lindo!!!

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  3. O Foga já deve ser octogenário, o encontrei na ocasião do lançamento do livro do Miguel Maimone. Lá estava ele, firme e forte, ainda com seu estilo "exótico" e segurando seus álbuns de fotos como se fossem seus tesouros. Uma pena que da nova geração, poucos saibam quem ele é.

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  4. Realmente uma alegria a presença do Foga no lançamento do livro.Estava muito feliz,indaguei do cabelo disse que havia cortado e doado a uma neta.Guardei seu vulto,na noite se afastando do local do evento.Sozinho indo pela rua Minas Gerais ,carregando o tesouro.A sacola onde levava as fotos.

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  5. Rei... Incrível o conteudo e todo o cuidado com cada detalhe de todo o blog!
    Parabéns!

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  6. Assisti os espetáculos anunciados.Meu pai fazia parte do Conjunto Serenata,tocava violino.Eram componentes,Paulo Cresciulo e Ferrúcio Tonolli violão.Erasmo Santos ,flauta.Tinha outros componentes q ainda vou lembrar.Zézinho Benedetti acho tb participava ,violino.Lembro do Nhô Manduca (Renato Moura)impagável.Professores e alunos os outos artistas amadores Asprofas Nanci Carlini e Maria Helena Mattos moravam na casa da Valderez.

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  7. 9º- “Conjunto da Saudade” (Chôro).
    De 1950 – Durou uns 2 anos
    Componentes: Marcolino Rodrigues de Moraes (violino); Erasmo dos Santos (flauta); Ferrucio Tonolli (violão); Gustavo Teixeira da Cruz (clarineta). Compôs “Saudade de Conchas”; José Benedetti (violino); Felucho Maimone (pistão) e Dr. Nassin João Abdala (cantor).
    Conjuntos de Conchas-Paulo Fraletti

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  8. Encanta e devolve-me ao passado a maravilha deste blog. De sensibilidade incomum, torna-se uma viagem encantadora, mostrando pessoas e lugares que fizeram uma época de ouro, inesquecível !
    ... " antes que a poeira do tempo e o descaso das pessoas os sepultem de vez, para sempre ..."
    Parabenizo o autor, exemplo à ser seguido, imitado, cultuado .....

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  9. Nao sou de Conchas mas a muito tempo estive lá e me encantei com a cidade e na época com um certo cidadao local de quem hoje apenas sei o primeiro nome e que gostaria de saber como vai. Seu nome é Danilo. Na época (ano 198...) nos encontramos através de uma outra parente dele, a Solange e do (na época, dentista) Marcos, também seu parente. Você pode me dizer se o/os conhece? Creio que com toda a informacao que tem nao deverá ser difícil identificar a familia. Agradeco. Edy

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  10. VOCS SABIAM QUE ESTE HOMEM,ESTA VIVO ATÉ HOJE,E QUE ELE ESTA ACOSTUMADO A APLICAR EM SEU PROPIO CORPO UMA PEQUENA FRAÇÃO DE VENENO DE COBRA,É OBVIO ESTA COM A IDADE BEM AVANÇADA,MORA ATÉ ALGUNS TEMPOS NO TREVO DE CONCHAS.ANDA O TEMPO TODO DE BICICLETA,DAQUELAS BEM ANTIGAE É POR SINAL AVO DO MARIDO DE MINHAFIHA(LILIAN)ALEMÃO CONHAS SP,NOTA DES PELO TABALHO UM ABRAÇÃO 07/11/2011

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  11. Parabens Pelo trabalho .. e é verdade o Foga ainda anda com sua bicicleta vermelha pelas ruas de conchas .. assobiando sempre com uma garrafinha de suco no guidao da bicicleta .. conserteza uma pessoa que vaii ficar pra sempre na historia de conchas ! abraços

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  12. Poizé meu pai ainda mora no mesmo lugar em conchas, mais anda menos de bicicleta, pois ja esta com 89 anos, mais sim continua alegre como sempre , sou muito orgulhoso de ser fiho de Antonio Foga .

    JESSE JAMES FOGE

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  13. Reinaldo, boa noite!
    Estou escrevendo um livro sobre a vida de meu pai que passou sua infância e juventude em Conchas e depois de casado foi morar em Porangaba. Hoje ele está com 101 anos de idade e bastante lúcido. Ele conta as histórias e eu escrevo.
    Estivei vendo seus artigos na internet. Parabéns por contar tão bem as histórias de Conchas.
    Vc tem mais alguma notícia de Antonio Foga? Estou citando o Antonio Foga no meu livro como curiosidade da época que meu pai ainda estava em Conchas.
    Aguardo. Obrigado.
    Paulo e-mail: pwagner01@terra.com.br

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  14. Até o nosso Mané Car car car los Avalone, de Pó po po rangaba aparece na história Amei!

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  15. Seu trabalho é maravilhoso!
    resgate histórico da cidade de Conchas!
    Muito obrigado!

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  16. Gostei do seu trabalho,sou sobrinho do Antônio Foga (correto Fogar) meu pai era seu irmão mais velho,informo que meu tio faleceu dia 18/05/2021

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