Quem sou eu

Poeira do tempo

A história da minha família não está ligada a Conchas através de muitas gerações e, embora eu tenha sido registrado lá, nasci em outra cidade. Passei a infância e a adolescência em Conchas e durante muitos anos, tudo o que eu queria era me ver fora dela; o que acabou acontecendo quando vim para São Paulo estudar publicidade. Fiquei longas temporadas longe dela e de tudo o que me fazia lembrá-la.

Então, numa noite, há alguns anos, meu retorno a Conchas se tornou inevitável e nem em sonho imaginaria o quão profundamente adentraria em sua história outra vez. O meu contato, através da internet, com Toty Maya e o seu precioso material sobre a cidade, me emocionaram e me intrigaram. Também me invocou a lembrança do dia em que eu, ainda adolescente, folheava um álbum de fotos antigas do velho Pascoal Barone que, ao meu lado, dizia que aquelas eram imagens de uma cidade que já não existia e que estava sendo esquecida.


Hoje, recuperei parte dessas fotos que juntei a outras quase 3.000. Pois, desse encontro com a Toty o resultado foi uma abrangente pesquisa iconográfica sobre o CRB (nosso esquecido Clube), sobre a antiga igreja matriz (já demolida) e sobre a AAC (lugar dos primeiros jogos de futebol). E o mais importante: a descoberta de uma cidade com histórias interessantes e personagens inesquecíveis. Quando fui convidado pelo Miguel Maimone para criar a capa do seu livro de memórias e li os seus textos, isso tudo se confirmou.

Várias pessoas se tornaram parceiras nessa jornada ao passado, e gostaria de agradecer a todas que, generosamente, abriram seus baús e álbuns de família. De modo especial a duas delas que, além da querida Toty, colaboraram muito nesse resgate da história: Wilson (Baltazar) Diniz e sua esposa Claudia. Também ao Nelson Malheiro e Daniel Crepaldi pela permissão do uso de seus textos.


Pelo fato de não ser historiador, quero dizer que esse blog é a forma simples que escolhi para compartilhar um pouco desse tesouro que encontrei. São histórias, personagens e locais que fizeram parte da formação da cidade, e que estão aqui para serem lembrados antes que a poeira do tempo e o descaso das pessoas os sepultem de vez, e para sempre.


São Paulo, 28 de abril de 2011



terça-feira, 23 de agosto de 2011

Jazz Conchense

Jazz Conchense, 1938. Foto do atelier "Foto Mafaraci" de Salvador Mafaraci D'Urso
 No início da década de 1930, um grupo de jovens musicos conhecidos na cidade e amantes do recente jazz que começava a invadir o mundo, se uniu para montar uma banda a qual deram o nome de "Jazz Conchense" e que se manteve em atividade até a década de 1940. Seu repertório era variado, mas a ênfase era o "Swing" das Big bands americanas dos anos 1930 e 1940. Tocavam principalmente nas festas e bailes que aconteciam no antigo prédio do CRB na Rua Maranhão, onde também funcionou o cinema e cujo salão foi o palco dos bailes de carnaval de então.
Os musicos da banda, segundo a foto acima e que retrata a segunda fase do grupo (1936 a 1942), eram: Em pé, da esquerda para direita: Inácio Mafaraci (violino); Agenor Fragoso (pandeiro); João (Joanino) Maimone (trombone de canto); Rafaelucho (Felucho) Maimone (pistão); Gustavo Teixeira da Cruz (clarineta); José (Zezinho) Benedetti (violino). Sentados, também da esquerda para a direita: Ermínio Corrêa de Almeida (Bisteis) – banjo; Aquilino Teixeira da Cruz (cavaco e banjo); Manoel Ferreira (Manoel Vigário) (violão); Gabriel de Arruda (bateria); Irineu Rodrigues (banjo); Ermínio de Almeida (cavaquinho); Alceu Teixeira da Cruz (tamborete).
Inácio Mafaraci era também barbeiro e teve seu salão na Rua São Paulo, ao lado da Casa Alexandre onde, mais tarde, abriu uma papelaria. Era filho de Salvador Mafaraci D'Urso, que além de músico era o fotógrafo proprietário do atelier "Foto Mafaraci", também na Rua São Paulo e que imortalizou em suas fotos várias gerações de conchenses. Salvador participou de antigos grupos musicais de Conchas e ensinou muita gente a tocar.

Luis Scalise; Salvador Mafaraci D'Urso; Pedro de Moraes Barros e seu filho Mauricio de Moraes Barros.
Sarau musical em Conchas, maio de 1926

Os irmãos Joanino e Felucho Maimone eram musicos experientes e membros da nossa banda, até hoje existente "Lira Antoniana". Os que tiveram a oportunidade de ouví-los no tempo do grupo de jazz relatam que Felucho era um exímio trompetista e todo o seu talento era  especialmente notado em músicas como "Sleepy Lagoon" e "All of Me".
Zezinho Benedetti tinha a música nas veias, pois era filho de Ernesto Benedetti, também músico e contemporâneo do Mestre Eugênio, o maestro das primitivas bandas de Conchas. Ernesto gostava muito de música e de quase tudo que se relacionava a arte, foi a primeira pessoa na cidade a ter um gramofone em casa e também participava ativamente do grupo de teatro amador que fez muito sucesso nesses anos de 1930. Zezinho, como era carinhosamente chamado, também tocava violino e trabalhava no Correio onde era o responsável pelos malotes que vinham pela E. F. Sorocabana.
Irineu, além de músico era funcionário da prefeitura e também jogador da AAC. Era filho de Dona Honorata, descendente de escrava com sinhô branco, que construiu uma capela para São Benedito em seu terreno, onde nas alvoradas de todo dia 13 de maio, a banda "Lira Antoniana" vinha tocar.
Manoel Vigário era pai do Zezinho Papagaio outro conhecido jogador da AAC.
Jogadores da AAC, de joelhos e bandana branca na cabeça Irineu Rodrigues, déc. de 1930
Existe mais um registro fotográfico conhecido do "Jazz Conchense" que foi feito por ocasião do "Baile do Algodão", também conhecido por "Baile Xadrez", o que atesta a importância que a cultura do algodão teve na primeira metade do séc. XX na economia da cidade. Esse baile foi em 1945 e nas outras três fotos desse mesmo evento nota-se que grande parte da população ativa na vida social e política da cidade estava presente.

Jazz Conchense no Baile do Algodão (ou Baile Xadrez), antigo CRB, 1945

Detalhe da foto anterior - A - 1- NI; 2- Felucho Maimone; 3- Nedy Abud; 4- Thomas Athanazio; 
5- Eunice Engler; 6- NI; 7- NI

Detalhe da foto anterior - B - 1- Helena Athanazio; 2- Geraldo Jaco; 3- Bezinha; 4- Mario Alves Lima; 
5- Antonio Cavalini (?); 6- NI; 7- NI; 8- NI

Detalhe da foto anterior - C - 1- Melita Serraino; 2- Domingos Pizolatto; 3- NI; 4- Zezinho Benedetti; 
5- Tide Jacó; 6- NI

Baile do Algodão (ou Baile Xadrez), antigo CRB, 1945

Detalhe da foto anterior: 1- Zinho Athanazio; 2- Mario Rodrigues de Moraes; 3- Zé Gonçalves; 4- Carmen Guarino; 5- Cacilda Neder; 6- Accácia Neder; 7- José Elias (Gorducho); 8- Lourdes Cresciulo; 9- Nedy Abud; 10 e 11- Cabral e Zilda; 12- Melita Jacob; 13 e 14- Olinda e João Mariano; 16- Miguelzinho Jorge; 17- NI; 18- NI; 19- NI; 20- NI; 21- Helena Athanazio; 22- NI; 23- NI; 24 e 25- Dora e Ozias Lopes; 26- NI; 27- NI, 28- NI; 29- NI; 30-  Domingos Pizolato; 31- NI; 32- João Benedetti.

Detalhe da foto anterior: 1- Clóvis Caram; 2- Leny Cresciulo; 3- NI; 4- Terezinha (Zinha) Neder; 5- NI; 6- Thomás Athanazio; 7- Salete Athanazio; 8- NI; 9- NI; 10- Dalva Simão; 11- Dirce Gonçalves; 12- NI; 13- Felicíssima Cruz Lima (Chicha); 14- NI; 15- Cathardi Pastina; 16- Severino Paes; 17- Lidia Daher; 18- NI; 19- Alyde Chaguri, 20- João Neder; 21- NI; 22- Rosita Gonçalves; 23- Eny Chaguri; 24- Claudiana Rodrigues Moraes; 25- Arnaldo Alexandre; 26- NI; 27- Domingos Pizolatto; 
28- NI; 29- NI; 30- NI; 31- NI; 32- NI; 33- NI; 34- José Chaguri.
 Abaixo fotos do mesmo baile com as moças vestidas de "algodão xadrez"

Na primeira foto acima: da esquerda para a direita: Dede Tonolli; Mélica Jacob; Nedy Abud; Irene Bruno Paes; Accácia Neder; Dalva Simão; Claudiana Rodrigues de Moraes.
 Abaixo, foto da Rua Maranhão, no detalhe ampliado, o antigo sobrado do CRB, palco das apresentações do "Jazz Conchense". Foto de 1950, época em que a nova sede do CRB já estava pronta, podemos vê-la na extrema direita da foto inteira, com o seu característico terraço arredondado.


Um mês antes de partir, Miguel Maimone enviou um email para mim e para alguns de seus amigos, com uma crônica, talvez sua última. Nela ele conta da saudades e das lembranças que uma música pode despertar e cita o "Jazz Conchense". Sugiro então que aceite o conselho dele, aperte o play da música abaixo (All of Me) e passeie pelos lugares que, como diz Toty Maya, "hoje são simples endereços da saudade."




"Compadres,

Vejam como me contento com pouco...Mas o cheiro, hummmm!
Sempre disse que perfumes são fabricados pelas melodias.
All of Me é uma delas, produzem cheiro.
Experimentem, fechem os olhos, ouçam, viajem, sintam o aroma. Não se
incomodem com o chiado do disco. Passem pelo posto do Dedê, padaria do
Júlio, armazem do Caram, comprem açucar mascavo com o Raé, alfaiataria
do Alfredo Felix, armazem do Simone, farmácia do Zé Gorga, Pachoal
Barone, sentem um pouco no banco, esquimo no Bar Esporte, subam a
Maranhão, Zézinho Benedetti atravessa do correio pro cinema antigo,
peguem o bumbo da Banda com o Baeta, sigam o Felucho com o estôjo do
pistão, peçam licença pro Aiba, cheguem-se mais, um pouco mais, mais
um pouquinho, espiem o ensaio da Jazz Conchense, canta Robertinho
Amaral. Sentiram?
Ué pensar, disse o poeta, é só pensar!
Não sentiu? Você não é de Conchas.


Miguel Maimone, 12 de maio de 2011





8 comentários:

  1. Parabéns, bela matéria e fotos maravilhosas.

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  2. "Ao Reinaldo Elias

    Olá Reinaldo! Parabéns mais uma vez! O blog Conchas - A Cidade Revelada está impecável e uma delícia de se ver! Estou colocando o material do Iº Simpósio Sobre Preservação de Patrimônio no blog da Oficina que ainda é novinho, com as considerações que foram desenvolvidas junto às escolas no ano passado. Neste ano as pesquisas foram direcionadas aos chalés de madeira na área rural, as casas de Juquiratiba e o histórico da Escola Coronel e Anísio, bem como novas considerações sobre o crescimento da cidade. Estamos indicando seu blog nas escolas para incentivo às pesquisas e os temas foram fechados e passados para os coordenadores semana passada. A programação para o Simpósio deste ano, que acontecerá na Câmara dia 14 de outubro, está correndo e contamos novamente com a sua participação para a montagem dos painéis. Desta vez, em vez de power point tentaremos uma montagem mural junto à Secretaria de Cultura. Estamos sempre às voltas com seu nome, pois o trabalho sobre o registro da memória vem complementar a nossa meta de conscientização da comunidade, visando o estímulo e intensificação do estudo de nossa história nas escolas como meio efetivo de se alcançar o amor às nossas raízes, a auto estima e cidadania, valores esses que você apresenta em altíssimo grau.

    Abçs e até lá. Virgínia Martins Caram"

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  3. Oi Reinaldo ,está impecável a postagem.Como já lhe contei ia aos bailes e apesar de quase morrer de sono (era criança)conseguia curtir.Participava e recordo da azáfama para decorar o clube que era de madeira e feinho.Galhos de bambu e festões com cedrinho e flores de papel,que sei fazer até hoje rs rs .Sr Ferrucio Tonolli liderava os preparativos.Fez-me lembrar das músicas,pessoas,trajes e da alegria que pairava no ar.Sempre digo que nessa época ,a cidade era uma grande família.O som do Jazz conchense povoou minha infância,credito a ele minha paixão por jazz e música anos 30.Tempo tempo temp tem t.......saudades!

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  4. Oi Toty,
    Obrigado pela sua presença aqui e por ter feito esse comentário, enriquecendo mais a postagem com suas lembranças de infância. Seria tão bom se algumas pessoas pudessem também fazer isso, tería-mos assim um panorâma muito maior sobre essa época.
    Acho uma pena não ter encontrado mais fotos internas do antigo CRB, mas a busca ainda continua.

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  5. querido irmão! Como sempre seu resgate do passado de Conchas deixa me com saudades de coisas que eu infelizmente não vivi! Parabéns!

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  6. Naldo, nem sei o que dizer! Toda vez que comento tenho vontade de agradecer pelo conhecimento que estou adquirindo a cada post seu! Parabéns pelo trabalho e pelo reconhecimento dele, que como pude ver logo acima, está acontecendo naturalmente! Um grande beijo!

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  7. Reinaldo meu caro, permita-me chama-lo assim:
    Quero agradecer em nome da nossa família a sua ímpar participação na
    realização deste último e feliz projeto do nosso paizinho Miguel - O Colecionador de Conchas.
    Hoje ao caminhar pela saudade me deparei com este blog e com o carinho referido ao nosso pai.
    Muita saudade....muito orgulho.

    Parabéns pelo trabalho, pelo resgate da cidade e acima de tudo pelo carinho com que o faz.
    Obrigada por tudo.
    Um abraço carinhoso,

    Daniela, Creuza, Fabio, Cristiane, Pietro e Giovanni

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  8. Reinaldo, parabéns pelo blog!
    Eu sou Raíssa e estou em busca de mais informações sobre o Manoel Ferreira (Vigário), acredito que possa ser filho do meu bisavô. Vc tem mais informações sobre ele? Podemos conversar?

    Meu e-mail é raissaxbarbosa@gmail.com

    Agradeço desde já!

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